terça-feira, 26 de maio de 2009

Deixar de fazer o bem é uma forma de fazer o mal

Seguindo o post da Ivonete, e cumprindo uma promessa, publico aqui a minha redação para o proceso seletivo do CPAJ [o tal do mestrado que estou cursando]. Revendo o texto, percebi erros, que optei por deixar para manter a originalidade do material.

Deixar de fazer o bem é uma forma de fazer o mal

A práxis engajada, mais do que em fundamentalistas islâmicos ou universitários marxistas, é marca do cristianismo. Enquanto outras visões conduzem o homem à compreensão fragmentada da realidade, super-enfatizando um elemento em detrimento dos demais, a fé cristã possibilita a percepção dos problemas centrais da humanidade, e sua conexão com cada departamento da vida humana. Neste sentido se entende como o cristianismo dá base à vida que deseja e busca redenção completa – não somente da alma humana, mas da cultura, artes, política, economia e literatura, para citar algumas esferas. Nicholas Wolterstoff e Cornelius Platinga Jr. chamariam este ambiente restaurado de Shalom. Sobre ele têm escrito, e, para promovê-lo, têm lutado ativamente no espaço público.

O anseio por uma restauração integral nasce, primeiramente, da sólida compreensão das Escrituras. Nas linhas do Texto Sagrado se contempla o caráter de um Deus bom, que faz o bem. Entre as letras da Revelação proposicional, em hebraico, grego ou português, tem-se o conhecimento de que o Senhor é tão puro de olhos que não pode ver o mal (Hc.1.13), além de recomendações claras para odiar as ações malignas (Sl.97.10). O caráter e os mandamentos Divinos são a base dos valores e práticas do homem regenerado.

O anseio pela renovação de todas as coisas também surge a partir da compreensão da cultura. Esta era a angústia de Lutero e Calvino na Europa do Século XVI, a de Kuyper e Spurgeon no século XIX, e a de Francis Schaeffer, John Stott e Lloyd-Jones, no século XX. Seguiram o conselho do apóstolo Paulo, discernindo o seu tempo e não se deixando moldar pelos padrões anti-bíblicos de sua época, mas lutando bravamente pela renovação de suas mentes, e dos seus interlocutores-leitores.

Este desejo brota, ainda, do amor por Deus e pelo próximo. Não apenas em perspectiva racionalista, através da qual tudo parte de um ato de conhecimento e racionalização, o compromisso do cristão com o bem está envolvido em sua relação afetiva com o Pai e os outros. O cristão entende a Verdade e a cultura, e assim se percebe diante de graves questões que colocarão à prova suas afeições. A observação do mal a partir da perspectiva bíblica atingirá o íntimo deste indivíduo, que externará sua vontade de ver a glória do Pai exaltada, e a humanidade preservada e restaurada, com a prática do bem.

Bem e mal são definidos a partir da Bíblia, e o envolvimento da Igreja com estas realidades se apresenta das mais variadas formas possíveis. O cristianismo clássico, com sua base escriturística e seus princípios como o Sola Scriptura e o Soli Deo Gloria, aponta para a realidade de que não basta apenas reconhecer e identificar o certo e o errado. Para além das “perspectivas enciclopédicas”, o cristão consistente se envolverá apaixonadamente com o bem, compreendendo que a sua omissão neste ponto constitui a prática do mal.

Diante da sociedade em geral, por exemplo, os cristãos demonstrarão a vivência dos valores bíblicos contestados pela mentalidade contemporânea. Honestidade, fidelidade, abstinência sexual antes do casamento, verdade, justiça, e outras marcas serão a expressão do que foi impresso no caráter do indivíduo restaurado pela Graça. Na universidade, os alunos e professores comprometidos com Cristo apresentarão a razão de sua esperança com sabedoria, exercendo o seu labor acadêmico a partir da cosmovisão cristã. Nos consultórios médicos, os servos de Jesus demonstrarão empatia e cuidarão dos enfermos com amor. Nos escritórios de advocacia e tribunais, os operadores do Direito justificados pela fé zelarão pela justiça e verdade, reconhecendo a lei como instrumento para o bem.

Ensinando ou aprendendo, assinando decretos e portarias ou coletando o lixo nas ruas, projetando belos edifícios e casas ou colocando mais um tijolo no muro, compondo canções e poesias ou fazendo cálculos e fórmulas, os filhos de Deus cumprirão a sua vocação com amor, percebendo o seu serviço dedicado como expressão concreta do bem, para a glória de Deus.
Em descrições sucintas ou emocionalmente comprometidas como esta, tende-se a minimizar ou desprezar as incoerências de quem ama e pratica o bem. Na verdade, esta é a “vacina” do cristianismo clássico. Ele incentiva o compromisso com o certo, mas revela a natureza maligna com a qual o homem nasce. Enquanto a restauração não se completa, os cristãos lutarão com inconsistências e contradições, fazendo o mal que não desejam fazer, e deixando de praticar o bem que gostariam de manifestar.

Apesar das lutas internas e de qualquer elemento externo que atrapalhe a ações corretas, os filhos de Deus entendem que, fundamentalmente, o bem é operado por meio da Graça de Deus. Isto tranqüiliza os corações inquietos, e dá esperança e motivação para a persistência na Verdade. Corações confortados pela misericórdia do Pai responderão com uma vida engajada na demonstração e prática das virtudes e ações agradáveis ao Senhor.

Soli Deo Gloria.

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