quarta-feira, 1 de julho de 2009

O caminho para a literatura

A primeira leitura de uma obra literária para os literatos, é, com frequência, uma experiência tão importante e significativa que apenas experiências como o amor, a religião ou o luto podem servir como parâmetro de comparação. (C. S. Lewis, Um experimento na crítica literária, p.9)


O caminho para a literatura passa pela Teologia. Explico isso com a minha história.

Não acho que fui um grande leitor, senão de revistas em quadrinhos, até a minha adolescência. Acredito que as “revistinhas”, como eu chamava, eram o meio escolhido por meus pais para despertarem em mim a paixão pelos livros. Acredito que funcionou, mas basicamente no que diz respeito a esse tipo de leitura menos comprometida.

Provavelmente a visão de meu pai debruçado sobre os livros em sua mesa de estudos, ou minha mãe em meio a várias obras do seu contexto de pesquisas, teve mais peso em minha dedicação à leitura do que qualquer outra coisa, mas não sei medir a influência de cada item com precisão.

O fato é que eu cheguei ao ensino médio com alguma dedicação aos textos, mas ainda tímida e pequena. Lembro de me dedicar a ler os temas que despertavam a minha atenção no momento: livros sobre o rock'n'roll e a igreja1, a nova era, e algumas bobagens sobre “quebra de maldições e o poder das palavras”2 . Ainda assim, em geral eu lia pouco, e quando se tratava dos clássicos da literatura eu era um completo analfabeto, tendo observado apenas alguns livros que a escola exigia dos alunos.

No fim dos meus 16 anos fui acordado da sonolência literária, e decidi que precisava fazer uma “dieta mental” (o termo que eu escolhi à época). Visitei a biblioteca do meu pai com a curiosidade de uma criança, e selecionei alguns livros de teólogos cujo nome eu havia ouvido – Russell Shedd, John Stott, etc. Comecei a ler avidamente – engolindo muitos pontos que eu não entendia. “Acho que preciso treinar a leitura para então passar a entender melhor”, eu pensava. Foi o que aconteceu. À medida que eu lia, uma série de noções e conceitos se organizavam e reorganizavam na cabeça, tornando possível a compreensão de palavras, expressões, capítulos e obras inteiras. Um trecho de um livro ajudava na compreensão da escrita de outro autor, e vice-versa. Não foi algo rápido, e até hoje a contribuição desses “professores vivos e mortos”3 permanece.

O ponto é que, foi através da leitura teológica que eu senti a necessidade de ter contato com a literatura geral. Lendo sobre a Graça Comum, e através de testemunhos pessoais e comentários da influência de grandes romances sobre a vida de homens de Deus, eu percebi que, com Shakespeare, Dostoievski, Machado de Assis e cia., eu poderia ser enriquecido, além de obter compreensão sobre determinadas cosmovisões e períodos históricos.

A Suprema Beleza revelada na Teologia me levou a perceber o belo nos textos não-teológicos. Estudando doutrina eu percebi a importância da literatura. Em meio aos comentários e sistemas doutrinários, senti-me impelido ao estudo literário, em busca de aperfeiçoamento como indivíduo, de formação como pessoa, de sensibilidade como homem.

O estudo teológico também me levou à Filosofia, mas esse é assunto pra outro texto. Quero dizer, com esta breve descrição, que a Teologia adequada, em vez de produzir alienação e isolamento, permite uma verdadeira inserção na cultura, e compreensão da realidade que nos cerca.

Não sou dos mais letrados nos clássicos, mas como tem sido bom descobrir autores e histórias fantásticas! Algumas que despertam o ódio, outras, a tristeza, e outras, ainda, agradáveis e sonoras gargalhadas.

Sem a Teologia, acredito que a minha compreensão das obras literárias seria limitada. Não quero dizer que é impossível a boa interpretação e aprendizado sem o conhecimento da Teologia. Apenas destaco o papel formativo do pensar teológico e das doutrinas cristãs na compreensão do mundo. Tudo tem novas cores quando visto pelas lentes da Bíblia. A cosmovisão cristã dá sabor à realidade.

1Eu estava ouvindo esse estilo musical, e muitos eram os argumentos e livros contra o rock. Hoje eu continuo ouvindo esse gênero musical.

2 Infelizmente eu tive algum contato com essas distorções teológicas no início da adolescência.

3A figura de professores vivos e mortos é de Mortimer Adler em seu livro “A arte de ler”.


"O aficionado da cultura, como pessoa, tem muito mais valor do que o caçador de status. Ele lê, assim como frequenta galerias de arte e salas de concertos, não para se fazer aceito, mas para aperfeiçoar-se, para desenvolver suas potencialidades, para tornar-se um ser humano mais completo". (C. S. Lewis, Um experimento na crítica literária, p.13)

Um comentário:

Roberto Vargas Jr. disse...

Meu caro amigo Allen,

Reconheci muito de mim no seu testemunho. Parece que tive uma influência menor de meus pais (para não dizer nula), mas que também li um pouco mais na infância. De todo modo, uma leitura tímida até o encontro com a Presença e o despertar do interesse teológico, numa idade mais avançada que a sua. Teologia que despertou também em mim tanto o interesse pela literatura em geral quanto pela filosofia (mais por esta última).
Enfim, concordo com o ponto central do seu relato: "a Teologia adequada, em vez de produzir alienação e isolamento, permite uma verdadeira inserção na cultura, e compreensão da realidade que nos cerca" e "tudo tem novas cores quando visto pelas lentes da Bíblia. A cosmovisão cristã dá sabor à realidade".

Um grande abraço. No Senhor,
Roberto