quinta-feira, 10 de junho de 2010

Fundamentalista ou reformado? J. Gresham Machen e sua resposta ao liberalismo teológico clássico [5]

5 A DIFERENÇA DE ABORDAGEM ENTRE MACHEN E OS FUNDAMENTALISTAS

Como foi dito acima, Machen não era o único a lutar contra o liberalismo. No contexto reformado, já foi mencionado B. B. Warfield e sua defesa da inerrância Bíblica. Fora dos círculos reformados, a reação ao liberalismo ficou conhecida pelo movimento chamado “Fundamentalismo”.

Olson descreve o Fundamentalismo como um movimento de defesa da ortodoxia cristã.

Se a essência da teologia protestante liberal era o reconhecimento máximo das reivindicações da modernidade pelo pensamento cristão, a essência da teologia fundamentalista pode ser descrita como o reconhecimento máximo das reivindicações da ortodoxia protestante contra a modernidade e a teologia liberal1.


O movimento ficou marcado pela publicação dos “Fundamentos” - uma série de doze volumes de artigos, publicados entre 1910 e 1915, para a defesa dos aspectos centrais da fé cristã ortodoxa. Desta publicação veio o nome que ficaria marcado até hoje, embora com conotação diferente.

Em termos gerais, os fundamentalistas criam nas verdades básicas fundamentais que Machen cria e defendia. Eram, portanto, irmãos caminhando juntos, e com grandes semelhanças no que diz respeito às doutrinas centrais da fé cristã. Por que, então, Machen não deveria ser considerado um fundamentalista?

Na verdade, este não parece ser um ponto pacífico entre estudiosos. Muitos, como McIntire e Olson – já citados acima – qualificam Machen como um fundamentalista. Em vez de enfatizar as diferenças entre eles, preferem utilizar as categorias de semelhanças, e agrupá-los juntos. Por outro lado, Piper e Horton2 apontam para a diferença de abordagem entre ambos, e não aceitam o título “fundamentalista” sem alguma hesitação.

O primeiro fator pelo qual Machen não pode ser considerado um fundamentalista, é a sua própria resistência com a expressão – ele não queria ser chamado assim. Exemplo disso está na descrição de McIntire, embora este agrupe Machen junto aos fundamentalistas.

O estudioso presbiteriano J. Gresham Machen não gostava da palavra, e era somente com hesitação que a aceitava para descrever a si mesmo, porque, conforme dizia, ela soava como uma nova religião e não como o mesmo cristianismo histórico no qual a igreja sempre tinha crido.3


Para Machen, o uso de uma nova denominação para aquilo que era o cristianismo clássico e ortodoxo de sempre, soava como um rompimento com as origens da fé cristã. Ademais, o termo não vinha associado apenas à crença em verdades fundamentais, mas em outros pontos que se tornaram característicos dos fundamentalistas, como o premilenismo.

Segundo a descrição de Horton, Machen preferia outra descrição para a sua forma de pensar. “Ao ser questionado se era 'fundamentalista', Machen preferiu o rótulo descritivo de 'Reformado' "4. O termo 'reformado' alinhava Machen com Warfield, bem como com a grande linha de teólogos conservadores que abraçavam as doutrinas cristãs e manifestavam concordância com que passou a ser conhecido como calvinismo – mais que um sistema soteriológico, uma visão de mundo centrada na Escritura.

Não se deve pensar que, por preferir o rótulo 'reformado', Machen desprezava ou se opunha diretamente ao fundamentalismo. A despeito das divergências que tinha em relação aos fundamentalistas, ele os considerava irmãos, e valorizava muito mais a sua proximidade e parceria no combate ao liberalismo, do que as diferenças entre ambos. Ele declarou que, diante de um inimigo comum, praticamente não sobrava tempo para perceber as diferenças internas.

Você imagina que eu me arrependo de ter sido chamado por um termo que me aborece profundamente, ou seja, um “fundamentalista”? É claro que sim. Mas na presença de um grande inimigo comum, eu tenho muito pouco tempo para atacar meus irmãos que se levantam comigo na defesa da Palavra de Deus.5


Além de Machen não gostar da utilização do termo 'fundamentalista', existem outras razões pelas quais não parece adequado considerá-lo assim. Piper, por exemplo, lista alguns pontos de divergência entre Machen e a abordagem típica fundamentalista. Segundo o autor, o que o fundador do Seminário Westminster não gostava no fundamentalismo era: (1) a ausência de perspectiva histórica; (2) a falta de apreço pela instrução acadêmica; (3) a substituição dos sucintos e estruturantes credos por confissões históricas; (4) a falta de preocupação com uma formulação precisa da doutrina Cristã; (5) as tendências pietistas e perfeccionistas; (6) a falta de esforço para a transformação da cultura; e (7) o premilenismo6.

Contudo, o ponto fundamental de diferença entre Machen e os fundamentalistas era, segundo Piper, o calvinismo. Para Machen, o termo “fundamentalismo” se assemelhava a algo diferente da fé cristã histórica. Exemplo deste ponto está no convite recebido em 1927. Machen foi convidado para a presidência da Universidade Bryan Memorial naquele ano. Aceitar esta mudança seria uma virada estratégica que o alinharia com os fundamentalistas, considerando que a Universidade era reconhecida por estar associada a tal corrente. Mas Machen não aceitou o convite, alegando exatamente a sua fé na perspectiva Reformada.

O Cristianismo completamente consistente, para a minha mente, é encontrado apenas na fé Reformada ou Calvinista; e o Cristianismo consistente, eu acho, é o Cristianismo mais fácil de defender. Por isso eu nunca me chamo de “Fundamentalista” [..] Eu prefiro me chamar não de “Fundamentalista”, mas de “Calvinista” - isto é, um seguidor da fé Reformada. Assim, eu me considero permanecendo na grande corrente central da vida da Igreja – a corrente que flui da Palavra de Deus através de Agostinho e Calvino, e que encontrou notável expressão nos Estados Unidos, na grande tradição representada por Charles Hodge e Benjamin Breckinridge Warfield e outros representantes da “escola de Princeton”7. (tradução livre)8


Se a identificação mais clara para Machen era a de 'reformado', e o fundamentalismo se afastava desta perspectiva, é natural serem consideradas as semelhanças entre ambos, mas também a percepção de diferenças fundamentais que, em maior ou menor grau, inviabilizam o trato de ambos como um movimento uniforme. Machen não se via como um fundamentalista, e, de algum modo, contribuía para que os fundamentalistas não o vissem como um deles. Ele era um calvinista, e isso bastava.

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