terça-feira, 6 de maio de 2008

Abotoando o paletó


Um dos personagens mais feios de quadrinhos e desenhos animados é a morte. Apenas o esqueleto, o capuz preto e a foice. Alguns desenhistas tentam suavizar os traços para tornar o desenho menos assustador, mas o sucesso desta empreitada é questionável.

Quando eu era criança conheci um cara cujo apelido era "morte". Magro, como alguns ossos bem visíveis, e uma aparência estranha. O fato é que os seus amigos o achavam feio (talvez assustador), e não pensaram duas vezes: morte era o seu apelido.

Falei tudo isto pra indicar a ligação entre a morte e o espanto, ou a nossa rejeição deste evento (que tornou-se personalizado). Falamos da morte com uma reverência quase religiosa, um tom mórbido e expressão de pesar ou assombro.

Talvez isto seja coisa apenas de cidades maiores. No interior é diferente. Percebi tal discrepância na última viagem.

Os sujeitos mal começavam a conversar e logo o assunto morte era abordado. Vi isso acontecer "trocentas" vezes. Pensei, no início, que os moradores apenas queriam atualizar o meu pai e o resto de minha família sobre os acontecimentos da cidade. Mas depois de tanto ouvir falar em morte, vi que não era apenas uma questão de "atualização", mas um assunto corriqueiro, como qualquer outro.

Falar de morte no interior é como falar do tempo. Não há a reverência que conhecemos. Não há o espanto que sentimos. Pelo contrário: a naturalidade marca o diálogo sobre os mortos. "Lembra do Fulano? Morreu". "Semana passada um rapaz morreu. Suicidou-se". "A senhora da outra rua morreu ontem". Nem na hora da comida o povo pára de falar em morte.

Minha irmã notou isto faz tempo. Eu comecei a perceber. Minha mãe indicou uma chave para compreender isto: todos vivem a realidade da cidade. A morte de alguém é conhecida por todos, e a sucessão do evento o torna natural para os moradores. Pensei sobre isto e vi que faz sentido. Como nós nos fechamos nas cidades grandes e vivemos a realidade apenas de nossas casas ou comunidades mais restritas como ruas, turmas de faculdade, igrejas, etc., o evento morte demora mais para acontecer. Por isso, sempre que acontece, é um espanto.

Além destes pontos, e apesar deles, os cristãos possuem base para ver a morte sob outro prisma. Não se trata de apenas ficar acostumado com o "bater das botas", como acontece no interior, mas pensar e compreender este evento de maneira apropriada.

A morte tem um elemento negativo, pois é inserida na história da humanidade como punição pelo pecado (Rm.3.23). Por outro lado, o pecado daqueles que crêem em Cristo já foi expiado pela morte de Jesus (Rm.5.1). Assim, o cristão a observa como o elemento de transformação, quase um rito de passagem, que o levará ao Pai. Não significa a libertação do corpo, pois nós cremos na ressurreição dele (diferente do platonismo e gnosticismo). Embora produza saudades, ela é o encaminhamento de nossas almas a Deus. Se temos uma viva esperança, a morte é observada de maneira positiva.

Uma vez li um livro excelente sobre o assunto. Recomendo a todos: Surpreendido pelo sofrimento, de R. C. Sproul. Ele apresenta a idéia de morte como vocação. A leitura deste material pode mudar completamente a nossa noção do que é "abotoar o paletó".

leia uma resenha do livro
compre o livro

Um comentário:

Rafael Lione disse...

Somos campeões, em Cristo e no futebol!!! quase não venho aqui, mas como hoje é um dia especial resolvi aparecer, elogiar teu belot exto e te desejar um feliz aniversário, abraços meu brother!!! SDG