sexta-feira, 10 de julho de 2009

Reforma e cosmovisão (2)

A área de alcance da Reforma ultrapassa as barreiras da religião, adentrando os diversos campos do conhecimento e da vida humana, atingindo a filosofia, as ciências, a educação, a política, a economia, e o direito. Importante e precisa é a definição de Knudsen (1990, p.14), ao demonstrar o calvinismo como “força cultural”. Conforme este autor, “para Calvino, diferentemente do que ocorria com outros líderes da Reforma, não existe dicotomia entre o Evangelho e a cultura” (KNUDSEN, 1990, p.14).
A pesquisa científica serve aos propósitos de demonstrar a abrangência do movimento do século XVI. Muitos são os estudiosos, nos mais diversos campos do saber, a desenvolverem estudos sobre as implicações da Reforma para as áreas “não-religiosas” da sociedade. Dentre os mais conhecidos está o trabalho de Max Weber – A ética protestante e o espírito do capitalismo. Weber observa o impacto da mentalidade protestante sobre o trabalho, destacando diferenças entre os católicos e os herdeiros de Lutero e Calvino.
Ainda no âmbito das ciências sociais, destacam-se os trabalhos do pesquisador suíço André Bielér – O pensamento social e econômico de Calvino (1990), e A força oculta dos protestantes (1999). Nestes estudos os desdobramentos sociais e políticos do pensamento reformado são percebidos e analisados com rigor científico.
Sobre o Direito, os trabalhos Villey (2005) e Krestchmann (2006) – já referenciados no presente estudo – apresentam-se como importantes fontes de pesquisa, na medida em que destacam o pensamento jurídico oriundo de uma perspectiva protestante.
Cientistas da religião como Costa (2000, p.14) afirmam ser as questões teológicas e eclesiásticas o fundamento e motivo último da Reforma. Ao mesmo tempo, não deixam de reconhecer o envolvimento dos reformadores em outras áreas, como as mencionadas acima.
Novamente se faz necessário questionar sobre o alcance do movimento em análise. Quais os motivos para a amplitude dos desdobramentos da Reforma? O que poderia ser destacado como elemento(s) gerador(es) desta pluralidade?
Para a compreensão destas questões, a obra dos reformadores é de grande ajuda. Calvino (2008, p.13) revela a noção de que o fundamento da existência humana é o relacionamento com Deus.
Não se pode achar nenhum homem, em parte alguma, por mais incivilizado ou selvagem que seja, que não tenha alguma idéia de religião. Isso porque todos nós fomos criados para reconhecer a majestade do nosso Criador e, ao conhecê-la, pensar nela mais elevadamente do que em qualquer outra coisa.

A implicação deste pensamento é que a vida humana em sua totalidade é atingida pela percepção de Deus e Seus preceitos. Conforme tal perspectiva, instituições como a Família e a Sociedade, o Estado e o Direito, a Economia e a Política, as Artes e o Lazer são encaixadas em um sistema pensado em seus pontos de contato com o reconhecimento da majestade Divina. Mesmo a ciência – denominada por muitos como inimiga da religião – foi estimulada pelo pensamento da Reforma, conforme assevera Woortmann (1997, p.80): “A Reforma valorizou a investigação científica”. Hopfl (1995, p.XIX) confirma esta noção ao demonstrar o pensamento integral de Lutero: “no próprio entendimento de Lutero (…) a religião não é uma esfera de vida, uma classe de assuntos, coisas ou questões, mas antes um aspecto de toda esfera de vida, de todos os assuntos, coisas ou questões”.

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Obras citadas (na ordem de referência):
KNUDSEN, Robert D. O calvinismo como uma força cultural. In: REID, Stanford W. Calvino e sua influência no mundo ocidental. São Paulo: Cultura Cristã, 1990.

VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

KRETSCHMANN, Ângela. História crítica do sistema jurídico: da prudência antiga à ciência moderna. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

COSTA, Hermisten Maia P. Da. A Reforma Protestante. In: LEMBO, Cláudio. O pensamento de João Calvino. São Paulo: Editora Mackenzie, 2000.

CALVINO, João. A verdade para todos os tempos: Um breve esboço da fé cristã. São Paulo: PES, 2008.

WOORTMANN, Klaas. Religião e ciência no Renascimento. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

HOPFL, Harro. Introdução. In: LUTERO, Martinho e CALVINO, João. Sobre a autoridade secular. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

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