segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Notas de um pregador caricato


Eu fiquei seis anos em uma igreja que não tinha escola dominical pela manhã. Isso deve dizer alguma coisa sobre a minha facilidade de levantar aos domingos para ir à ebd (a igreja que hoje pastoreio tem tal atividade nas manhãs dominicais).
De todo modo, é sempre agradável estar lá, ainda que com o rosto inchado. As aulas normalmente são boas, e depois temos o momento da "pastoral" - uma espécie de pregação reduzida para toda a igreja.
A despeito do meu sono, existem várias coisas agradáveis no encontro de domingo pela manhã. Eu gosto do sol forte, de fazer caretas pra enxergar melhor - comprimindo os olhos como um japonês míope -, gosto das cores mais vivas que a manhã proporciona e dos diferentes tons de luz apresentados no salão principal e nas salas de aula. Gosto do clima de reencontro, mesmo que outras pessoas estejam tão ou mais sonolentas do que eu. E gosto do alimento espiritual que nos é fornecido.
Mas eu já estou no terceiro parágrafo e nada escrevi sobre o que realmente pretendia. No último domingo pela manhã fui o pregador - ou aquele que pronunciou a pastoral. Mesmo em formato reduzido, fiz uma salada de temas (ou um mosaico, se você for mais do tipo visual do que gastronômico), e expus o que tenho entendido ser a verdade bíblica em tais aspectos. Cumpridos os ritos (oração final, bênção, tríplice amém) estava encerrada a reunião da manhã e todos poderiam voltar para casa ou sair para o almoço dominical (outro elemento carregado de especial sentido).
Minha agradável surpresa foi ver uma adolescente da igreja se dirigindo em minha direção, para suavemente tocar o meu ombro e dizer: "adorei a pastoral de hoje, pastor!".
O que eu teria falado que a moveu daquela maneira?
Tenho hipóteses:
1. Durante a pastoral, citei o nome de pessoas conhecidas no cenário brasileiro: "Felipe Neto" e "Rafinha Bastos". Se você alguma vez já acessou o youtube, é possível que saiba quem é o primeiro, e se usa o twitter, é provável que conheça o segundo. Felipe Neto é uma febre entre adolescentes, e digo isso porque um dia antes uma garotinha de seus 12 anos me falava dele e imitava os seus gestos. Talvez o Rafinha tenha um público mais velho, mas já assisti uma troca de vídeos entre ele e uma adolescente, falando sobre gírias: ele é conhecido dos teens. Há grande possibilidade de que, por ter mencionado tais pessoas, a adolescente transferiu sua simpatia para com as celebridades em direção ao texto da pastoral.
2.  Sou, em certa medida, engraçado ao pregar. Eu uso as mãos como aqueles caras que ficam diante de um avião no aeroporto (aqueles com as placas fazendo sinais para liberar o vôo), falo a expressão "em última análise" a cada cinco minutos, por vezes faço sons estranhos entre uma frase e outra, e dou risadas, no púlpito, de questões que apenas eu acho engraçadas. O conjunto destes cacoetes faz de mim uma espécie de caricatura falante - como aquelas animações que apareciam no fim e início de cada bloco dos filmes da globo. Sou uma espécie de "tirinha" ambulante e pregadora (e agora começo a pensar porque minha esposa se apaixonou... o blog dela se chama IvoneTirinhas). É muito possível que tais marcas tenham tornado a pastoral engraçada para a adolescente, que a-do-rou! Pois bem, eu não sei ao certo o que a fez curtir mais ou menos 30 minutos de uma quase-palestra sobre assuntos diversos (é pra ser reduzida, mas às vezes falamos pelo mesmo tempo de uma pregação regular). Mas ainda tenho um último chute: a combinação de meu estilo maluco de pregar, com a utilização de figuras conhecidas foram apenas uma parte da abordagem mais ampla de aplicar as verdades da Escritura ao contexto atual. O grande lance foi que, ao falar de modo autêntico sobre a conexão entre Felipe Neto, Rafinha Bastos e o ensino bíblico, formou-se uma ponte de comunicação entre mim e aquela garota. Sem ter estudado mais profundamente a respeito de hermenêutica bíblica, ela pôde ver as Escrituras se abrindo e o sentido das palavras ganhando vida para o seu cotidiano. O significado foi descoberto, e as aplicações direcionadas, de modo que talvez ela tenha saído dali espiritualmente alimentada. A questão não é se eu fui inteligente ou bom pregador, mas se Deus se agradou em abrir os seus olhos e permitir contemplar as maravilhas da lei do Senhor.
Desejo muito profundamente que a terceira hipótese seja a verdadeira. Mas continuo pensando sobre como podemos comunicar a verdade de modo claro e honesto, apresentando Jesus para a cultura contemporânea sem necessariamente aderir às caricaturas atuais (usando desnecessariamente gírias para "parecer jovens" e coisas do tipo), ao mesmo tempo em que compreendemos nossas ovelhas mais novas e suas questões.
Talvez o caminho para isso seja simplesmente ouvi-los mais. Muitas de nossas ilustrações e aplicações estão baseadas no que presumimos serem suas dúvidas e problemas. Um pouco mais de abertura de nossa parte não faria mal. O "carinha" de 13 anos no banco ao lado, e a garota de 12 mais à frente precisam do evangelho, tanto quanto eu e você.


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